Justamente quando você pensava que a filmografia de Nicolas Cage não poderia ficar mais estranha, surge “Dream Scenario” de Kristoffer Borgli para bagunçar sua cabeça.
Cage interpreta um personagem que você provavelmente não notaria na vida real: Paul Matthews. Desleixado, careca, com calças amassadas e mocassins de couro marrom, ele é professor titular em uma universidade da qual você nunca ouviu falar, falando ano após ano sobre a consciência coletiva e a sabedoria do rebanho. E então algo estranho acontece. Paul começa a aparecer nos sonhos das pessoas, seja parado ou apenas passeando, e de repente esse homem quase invisível faz com que as pessoas prestem atenção nele. O que Paulo faz? O que você faria naqueles sapatos horríveis dele?
Um diretor norueguês fazendo sua estreia na língua inglesa pela A24 (por meio da produtora de Ari Aster), o diretor de “Sick of Myself”, Borgli, pega essa premissa surrealista e a aborda com um tom que é uma mistura singular de cômico e sinistro. Isso é uma fantasia? Uma fabula? Um novo tipo de filme de terror? Na verdade, “Cenário de Sonho” é tudo isso e mais um pouco, pois também compartilha um certo DNA pós-moderno com dois dos filmes mais inovadores de Cage, “Adaptação” e “O Peso Insustentável do Talento Enorme”. Paul Matthews pode ser um tipo de Paul Giamatti, mas não é apenas um professor universitário qualquer que surge na cabeça das pessoas espontaneamente. É Nicolas “não as abelhas!” Cage, um ator tão distinto que pode muito bem já ter feito participações especiais bizarras em seus sonhos.
Aqui, como em “Adaptação”, Cage tem o desafio de tentar parecer normal. A figurinista Natalie Bronfman ajuda, vestindo a estrela com roupas monótonas que a personagem provavelmente encomendou em um catálogo. O mesmo acontece com a equipe de cabelo e maquiagem, que raspou o bico de viúva, sua marca registrada, e deixou os cabelos grisalhos aparecerem em sua barba. Na aula, Paul dá palestras sobre listras de zebra, explicando como funciona sua camuflagem: A ideia não é se misturar à natureza, mas desaparecer na multidão. Essa tem sido a estratégia de Paul durante a maior parte de sua vida, embora ele tenha o desejo de publicar. Ele está trabalhando em uma teoria sobre formigas (algo relacionado ao seu status de superorganismo, ao que parece) e dissimuladamente confronta uma ex-colega de classe (Paula Boudreau) sobre um artigo que se sobrepõe a uma pesquisa que ele fez décadas antes na pós-graduação.
Em suma, Paul é um personagem patético cujo comportamento inicial diz muito sobre suas ambições e sua incapacidade de realizá-las. Ele tem duas filhas (Lily Bird e Jessica Clement), com quem ele não é nada legal, e uma esposa, Janet (Julianne Nicholson), que o apoia. Então o sonho começa a acontecer, perturbando sua vida familiar relativamente estável. O filme começa com um leve pesadelo, que parece normal até que coisas impossíveis começam a acontecer. Borgli filma os sonhos de forma semelhante aos momentos de vigília, criando uma espécie de jogo mental para o público, que deve determinar a qualquer momento se a cena em questão é real ou imaginada. Ou talvez seja tudo apenas um sonho.
O ponto de identificação do filme aqui é Paul, então é um pouco incomum (mas também a coisa mais divertida do filme) que “Cenário de Sonho” nos permita entrar no subconsciente de outros personagens. Paul pode aparecer em seus sonhos, mas não é ele quem faz isso acontecer e ele não tem acesso a essas memórias. Ainda assim, quando o mundo percebe que esse homem comum aparentemente comum está aparecendo em quase todas as suas cabeças, Paul se torna uma espécie de celebridade da noite para o dia. Suas aulas pouco frequentadas rapidamente atingiram a capacidade máxima e ele responde a perguntas de estranhos que compartilham seus sonhos. Há a jovem que imaginou Paul sendo atacada por crocodilos, e o cara que viu Paul passar enquanto arrancava um dente da boca.
Nenhuma explicação é dada sobre por que Paulo está subitamente “invadindo” os sonhos de estranhos. O filme também não responde por que certas pessoas não são afetadas (incluindo a sua própria esposa). Como biólogo evolucionista, Paul parece melhor equipado para resolver este mistério do que a maioria, e o público – como alguns no filme – pode perguntar-se se ele está secretamente a fazer algo para causar o fenómeno. É apenas uma daquelas coisas, como a porta que leva a uma passagem pelo interior da cabeça de John Malkovich em “Ser John Malkovich”, é isso porque o filme diz que é assim. A questão, como naquele filme de Charlie Kaufman, é como os personagens reagem a algo tão extraordinário e o que isso revela sobre eles.
Paul aceita a situação a princípio, concordando com algumas entrevistas na TV. Ele até voa para Nova York, onde participa de uma reunião com uma empresa de marketing não convencional chamada “Pensamentos?” Em uma longa e desconfortável, mas muito engraçada sessão de pitch, Trent (Michael Cera, interpretando um tipo desgrenhado Harmony Korine) senta-se do outro lado de uma sala de conferências e tenta convencer Paul – a quem ele chama de “o homem mais interessante do mundo” – a se tornar o primeiro influenciador dos sonhos do mundo. Dessa e de uma dúzia de outras maneiras, o filme de aparência atemporal envolve ideias atuais, desde o cancelamento da cultura até a viralização, revelando-se, em última análise, uma sátira social astuta.
Ainda assim, Borgli nos mantém em dúvida, especialmente quando a forma como Paul aparece nos sonhos das pessoas começa a mudar. Uma jovem (Dylan Gelula) que trabalha para a Thoughts? admite ter “sonhos sexuais intensos”, chegando ao ponto de convidar Paul para casa para reencenar um deles juntos, resultando em uma das cenas mais emocionalmente vulneráveis que Cage já realizou. Outros relatam que Paul se tornou violento em seus sonhos e, sem mais nem menos, sua celebridade se tornou tóxica. Estranhos provocam brigas em público, alguém pinta a palavra “LOSER” em seu carro e o reitor (Tim Meadows) é obrigado a dispensá-lo.
Perto do final, Borgli dá uma dica ao apresentar uma tecnologia que pode projetar influenciadores nos sonhos das pessoas. A piada não explica o que está acontecendo, mas sim por que, em um meta-nível, Borgli pode estar interessado na ideia: assim como os sonhos podem ser interpretados, o “Cenário dos Sonhos” também pode, e esse desenvolvimento sugere todo o filme. poderia ser a sua opinião sobre as redes sociais – a forma como as celebridades virais e os memes invadem as mentes de milhões de pessoas ao mesmo tempo, divertindo-nos por um tempo, apenas para serem rejeitados e potencialmente até insultados quando os seus 15 minutos terminam. Em uma atuação incomumente discreta, Cage humaniza essa experiência e nos dá muito em que pensar.