“A sociedade civil tem tido um relacionamento complicado com o Telegram ao longo dos anos”, diz Natalia Krapiva, advogada do grupo de direitos digitais Access Now. “Defendemos o Telegram contra tentativas de regimes autoritários de bloquear e coagir a plataforma a fornecer chaves de criptografia, mas também temos alertado sobre a falta de políticas de direitos humanos, canal confiável de comunicação e reparação para seus usuários.” Krapiva enfatiza que as autoridades francesas podem tentar forçar Durov a fornecer as chaves de criptografia do Telegram para descriptografar mensagens privadas, “o que a Rússia já tentou fazer no passado.”
A hashtag #FreePavel vem se espalhando online, inclusive pelo CEO da X, Elon Musk, que postou inúmeras vezes sobre a prisão de Durov. “POV: Estamos em 2030 na Europa e você está sendo executado por curtir um meme”, ele escreveu na noite de sábado em resposta a uma postagem sobre a detenção do CEO do Telegram. “A necessidade de proteger a liberdade de expressão nunca foi tão urgente”, Robert F. Kennedy Jr., que na sexta-feira apoiou Donald Trump para presidente dos EUA, escreveu no X, onde se referiu ao Telegram como “sem censura” e “criptografado”.
Embora o Telegram seja frequentemente descrito como um aplicativo de mensagens criptografadas, as mensagens não são criptografadas de ponta a ponta por padrão, e executivos seniores disseram anteriormente à WIRED que veem a plataforma como uma rede social. Isso se deve em grande parte aos Canais — um recurso de transmissão de um para muitos que permite que assinantes ilimitados visualizem as postagens.
Uma das postagens que mais ganhou força no X foi do ex-jornalista de direita da Fox News, Tucker Carlson, que fez alusão à história frequentemente repetida, mas discutível, de que Durov deixou a Rússia porque o governo tentou assumir sua empresa. “Mas, no final, não foi Putin quem o prendeu por permitir que o público exercesse a liberdade de expressão. Foi um país ocidental”, Carlson escreveu em uma publicação que até agora foi visualizada pelo menos 5,7 milhões de vezes. Carlson também fez um link para uma entrevista de uma hora que ele fez com Durov no começo deste ano, uma das primeiras e únicas entrevistas que o CEO do Telegram deu nos últimos anos.
Na ausência de Durov, o futuro do Telegram parece incerto para alguns: “Estou em choque, e todos próximos a Pavel sentem o mesmo”, diz Georgy Lobushkin, ex-chefe de RP da VK, uma rede social cofundada por Durov, que ainda mantém contato regular com Durov. “Ninguém estava preparado para essa situação.” Questionado se ele se preocupava com o futuro do Telegram e quem poderia comandar a empresa na ausência de Durov, Lobushkin diz: “(Eu) me preocupo muito.”
O TF1Info, que foi o primeiro a dar a notícia na França sobre a prisão de Durov, relatou que era “sem sombra de dúvida” que Durov permaneceria sob custódia durante a investigação. “Pavel Durov acabará em prisão preventiva, isso é certo”, disse um investigador não identificado aos repórteres.
“Ninguém no Telegram estava preparado para tal cenário”, diz Anton Rozenberg, que trabalhou com Durov desde os primeiros dias do VK em 2007, antes de trabalhar para o Telegram de 2016 a 2017. Rozenberg previu que Durov adquiriria a melhor defesa legal que o dinheiro poderia comprar. “Mas sem ele, o mensageiro pode ter enormes problemas com a gestão, todas as decisões cruciais e até mesmo pagamentos”, acrescentou, dado o envolvimento pessoal de Durov na administração da empresa. Rozenberg não viu um substituto óbvio para Durov, que toma decisões importantes em quase todos os assuntos no Telegram — financiamento, estratégias de desenvolvimento, design de produto, monetização e política de moderação de conteúdo.
Por enquanto, tudo pode continuar normalmente, diz Elies Campo, que dirigiu o crescimento, os negócios e as parcerias do Telegram de 2015 a 2021. “Dependendo de quanto tempo isso vai durar, é como um governo, certo? Existe essa estrutura, existe um auto-impulso.” Campo acrescenta que a equipe da empresa é pequena o suficiente — cerca de 60 funcionários — para que a infraestrutura não seja afetada.
O desafio, admite Campo, seria se Durov precisaria estar fisicamente presente para pagar os provedores — algo que Rozenberg também sinalizou.
“Até onde eu sei, Pavel fez os pagamentos”, diz Campo. “Então o que vai acontecer quando for preciso fazer alguns pagamentos para provedores de infraestrutura, ou provedores em termos de conectividade — e ele ainda está preso?”