O novo filme de Marcelo Gomes, “Retrato de um Certo Oriente”, será representado nas vendas mundiais pela brasileira O2 Play. O acordo foi fechado antes da estreia do filme no Festival Internacional de Cinema de Rotterdam, onde será exibido na Competição de Cinema.
A O2 Play é o braço de distribuição do grupo O2 Filmes, empresa de produção, pós-produção e publicidade de Fernando Meirelles, diretor indicado ao Oscar por “Cidade de Deus”, “O Jardineiro Fiel” e “Os Dois Papas”. Meirelles comanda a empresa ao lado de Andrea Barata e Paulo Morelli. Fundada por Igor Kupstas em 2013, a O2 Play já lançou mais de cem filmes no Brasil, incluindo “Drive My Car”, de Ryusuke Hamaguchi, “O Irlandês”, de Martin Scorsese, e, mais recentemente, “Priscilla”, de Sofia Coppola.
Gomes, cujo longa-metragem de estreia em 2005 “Cinema, Aspirinas e Abutres” foi financiado pelo Fundo Hubert Bals do IFFR, retorna ao festival com seu oitavo longa, uma adaptação do romance homônimo de 1989 do eminente escritor brasileiro-libanês Milton Hatoum sobre um trio de imigrantes libaneses rumo para o Brasil.
Gomes disse: “No meu filme tento mostrar que a única forma de desconstruir preconceitos é ver o mundo através dos olhos dos outros como um antídoto para o fanatismo. Tendo em conta as muitas crises que nos assolam em todo o mundo, isso parece mais importante hoje do que nunca.”
Igor Kuptsas, diretor da O2 Play, disse: “A obra de Marcelo é a prova de que ele é um dos mais renomados cineastas brasileiros em atividade na atualidade, e seu tratamento sensível e incisivo das questões de migração e pertencimento está no cerne de um dos artistas da atualidade. questões globais mais urgentes em uma saga familiar que é universalmente identificável.”
Falando exclusivamente para Variedade antes da estreia do filme, Gomes diz que se sentiu atraído pelo romance de Hatoum por ser “infilmável”, explicando que apreciou a ideia de adaptar um livro com vários fluxos de consciência. A história, que acompanha dois irmãos católicos libaneses que conhecem um libanês muçulmano em um barco com destino ao Brasil, pareceu um “quebra-cabeça” para o diretor de “Joaquim”.
“Queria mostrar a Amazônia pelo olhar de quem nunca tinha estado lá, mostrar o Brasil pela perspectiva de um estrangeiro. Meu primeiro filme é sobre um estrangeiro no Nordeste do Brasil e acho que aquele filme me fez entender meu país melhor do que qualquer outro filme”, acrescentou. “Adoro a ideia de alguém vindo do Oriente Médio, do deserto, e desembarcando na Amazônia.”
O diretor passou a descrever a realização de um filme como uma “saga”. “Este filme é um milagre! Estávamos há três dias filmando quando tivemos que parar por causa da pandemia. Todos voltamos para casa e tivemos que arrecadar dinheiro novamente mais tarde para reiniciar a produção.” Mesmo assim, mesmo com as dificuldades, Gomes conseguiu produzir um filme em vários idiomas, incluindo árabe, francês e língua indígena tucano, e contando com um elenco internacional que inclui Wafa’a Celine Halawi, Charbel Kamel, Zakaria Al Kaakour e Eros Galbiati.
Isso foi vital para o diretor porque, no livro, a cidade brasileira de Manaus é descrita como uma Babilônia, com imigrantes vindos de países como Espanha, Portugal e Líbano para trabalhar nas diversas plantações e fábricas da região. “Era uma cidade muito cosmopolita, por isso pensei que este filme precisava de estar em vários idiomas”, disse Gomes. “Tive de convidar actores libaneses porque precisava de actores que falassem na sua língua e com os seus próprios sotaques e também queria actores que nunca tivessem visto o país com os seus próprios olhos. Achei que isso daria uma verdade ao filme que seria muito importante.”
Sobre abordar questões contemporâneas como a demarcação de terras e a imigração num filme de época, o realizador disse: “Os imigrantes querem um lugar para chamar de lar. Esse é um problema que temos no Brasil. Na Amazônia, os agricultores querem roubar as terras dos indígenas. O livro foi escrito em 1981, mas sou uma pessoa que vive em 2024 e está tocada pelas questões que acontecem ao meu redor. Tive que incluir questões indígenas no filme, tive que mencionar as questões do Oriente Médio no filme e a crise da imigração.”
A estreia do filme em Roterdão tem um significado especial para Gomes, que afirma que o festival é “o mais importante da minha carreira”. “Já mostrei meus curtas lá e, quando estava desenvolvendo o roteiro do meu primeiro longa, no final dos anos 90, não tinha dinheiro. Então me inscrevi no Fundo Hubert Bals e recebi a bolsa. Graças a essa bolsa, escrevi o roteiro, solicitei outras bolsas, consegui fazer meu filme e depois apresentei em Cannes. O festival é como minha mãe.”
“Retrato de um Certo Oriente” estreará no IFFR em 27 de janeiro.