É difícil imaginar dados mais íntimos do que os coletados por tecnologias femininas ou “femtech”. Esses aplicativos e dispositivos não apenas monitoram os ciclos menstruais das mulheres, mas também registram seus encontros sexuais, orgasmos e gravidezes.
Um novo estudo mostra que muitas empresas femtech não protegem adequadamente essas informações confidenciais. Alguns podem até vazar intencionalmente dados pessoais para terceiros.
A pesquisa, liderada por A Dra. Maryam Mehrnezhad, da Royal Holloway University, em Londres, faz parte de uma investigação de quatro anos sobre questões de segurança cibernética, privacidade, confiança e preconceito no setor femtech.
No estudo, a equipe examinou aplicativos populares de fertilidade, bombas tira leite inteligentes, rastreadores de fertilidade (como pulseiras e anéis), treinadores Kegel e brinquedos sexuais. A equipe encontrou uma série de práticas “inapropriadas” de segurança e privacidade – muitas não apresentam consentimento válido, não oferecem proteção extra a dados confidenciais e rastreiam usuários.
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Mehrnezhad disse à TNW que as empresas que comprometem a privacidade dos dados de seus usuários desta forma “pode fazê-lo involuntariamente” ou como uma “tentativa deliberada para fins comerciais”.
Em 2021, o aplicativo de monitoramento de período Flo assentou uma ação coletiva sobre alegações de que compartilhou dados de saúde dos usuários com o Facebook. O juiz considerou Flo culpado de informar o Facebook sobre atividades no aplicativo – como quando um usuário estava menstruado. A plataforma de mídia social usaria então essas informações para exibir anúncios direcionados.
Um 2022 estudar descobriram que 84% dos aplicativos de monitoramento de período menstrual compartilham dados com terceiros. Embora a maior parte desta informação seja vendida para fins comerciais, dados sensíveis de saúde podem ser utilizados para fins mais nefastos.
“Identificamos vários atores de ameaças interessados em informações sobre fertilidade e sexo”, disse Mehrnezhad. Podem ser cibercriminosos, seguradoras ou até mesmo seu empregador.
Zona cinzenta jurídica
Atualmente, a femtech está em uma área legal cinzenta. Esses dispositivos e aplicativos não são considerados “médicos”, portanto, estão fora do alcance das regulamentações de saúde. No entanto, também não existem leis específicas na UE ou no Reino Unido que os abranjam.
A aposta mais próxima são dois conjuntos de regulamentos dentro da abrangente lei de privacidade de dados da UE, o GDPR, que trata da proteção geral de dados e da regulamentação médica e de saúde.
“No entanto, conforme mostrado em nosso trabalho, isoladamente ou combinados eles não conseguem proteger o usuário de práticas maliciosas”, explica Mehrnezhad.
Os investigadores recomendam regulamentações mais rigorosas e mais supervisão da indústria, incluindo a criação de entidades para orientar os desenvolvedores de femtech em direção às melhores práticas e à tomada de decisões éticas. Atualmente não existe nada parecido com isso.
“Acreditamos que o espaço médico e de saúde necessita de regulamentações setoriais e específicas de domínio, com atenção às necessidades de grupos de usuários marginalizados, como mulheres e pessoas com limitações de capacidade física e mental”, afirmou Mehrnezhad.
Historicamente, a saúde das mulheres ficou em segundo plano em relação à dos homens – deixando uma disparidade de género persistente em dados, pesquisa e direito. Cerca de 70% da femtech fundadores são mulheres, muitas das quais desenvolveram os seus produtos para melhorar o acesso a informações precisas sobre saúde.
Embora a pesquisa mostre que mais acresponsabilidade e regulamentação são necessárias, Mehrnezhad enfatiza que fornecer aos usuários produtos femtech seguros, privados e protegidos deve ser o objetivo final de todas as partes.
“Esperamos ver melhores esforços colaborativos entreÉ às partes interessadas que permitam aos cidadãos utilizar soluções femtech para melhorar a qualidade das suas vidas sem qualquer risco e medo”, disse ela.
A boa notícia é que estão em curso alguns esforços na elaboração de políticas que poderiam resolver o problema, incluindo a criação de um Espaço Europeu de Dados de Saúdeque apoia os indivíduos a assumir o controle de seus próprios dados de saúde.
Por agora, Mehrnezhad recomenda que os usuários de aplicativos e dispositivos femtech prestem atenção especial às políticas de privacidade, desativem o rastreamento de dados e permissões desnecessárias, e desinstalar todos os aplicativos com os quais eles não interagem regularmente.