Há uma cena em “The Order”, um docudrama fascinante e explosivo sobre o alvorecer do moderno movimento supremacista branco americano na década de 1980, que te arrepia de uma forma muito reveladora. Dois líderes do movimento estão se encontrando em uma estrada rural isolada em Idaho. Um deles, Richard Butler (Victor Slezak), é o nacionalista branco que fundou as Aryan Nations, o culto neonazista que tem seu complexo nas proximidades. Ele é um extremista racista, mas tem o comportamento de um pregador cortês e é conscientemente político sobre o crescimento de seu movimento.

O outro homem, Bob Matthews (Nicholas Hoult), é um antigo seguidor de Butler que se separou dele, tudo porque ele acha que o movimento das Nações Arianas não é extremista. suficiente. Matthews quer uma revolta armada agora, e o bando insurrecional de rufiões que ele lidera, chamado de Ordem (ele os nomeou em homenagem aos revolucionários supremacistas brancos em “The Turner Diaries”), é basicamente um pequeno bando desleixado de terroristas. Eles bombardeiam cinemas pornôs e sinagogas, colocam máscaras de esqui pretas e carregam submetralhadoras MAC-10 para roubar bancos e caminhões da Brink’s. Eles querem o dinheiro para si mesmos, mas também estão financiando um “exército” para se rebelar contra o governo dos Estados Unidos. (Um assalto à Brink’s rende a eles US$ 3,6 milhões.) Em uma cena inicial, nós os vemos matando um dos seus a sangue frio.

O FBI, liderado por um agente veterano severo chamado Terry Husk (Jude Law), está farejando, então Butler está se encontrando com Matthews para avisá-lo de que suas táticas violentas são um grande erro. Como Butler explica, seu movimento não pode se atolar na criminalidade. Se fizerem direito, ele diz, dentro de 10 anos eles terão pessoas na Câmara dos Representantes e no Senado. Mas Matthews não vai ouvir. Ele está comprometido com sua ideia de uma revolução apocalíptica.

A perturbação dupla da cena é esta: Butler, embora equivocado por alguns anos, estava absolutamente certo sobre como a popularização de seu movimento iria funcionar. Nesse sentido, ele representa uma ameaça muito mais perigosa para a América do que Bob Matthews. Matthews, por outro lado, é um sociopata imprudente. Sua série de crimes, que como o filme nos mostra, culminará no assassinato do apresentador de rádio judeu de Denver, Alan Berg (interpretado por Marc Maron), é nada menos que insano. Mas o que isso significa é que Butler, um nazista americano fervoroso, é a voz de moderação aqui. Isso é o suficiente para fazer sua cabeça girar e seu estômago ficar um pouco enjoado.

“The Order”, escrito por Zach Baylin e dirigido por Justin Kurzel (cujo “Nitram” dramatizou de forma assustadora o massacre de Port Arthur em 1996 na Tasmânia), é ao mesmo tempo um docudrama extremamente inteligente sobre a ascensão do movimento de supremacia branca e uma história de crime fascinante. Kurzel trabalha de forma clássica, filmando o filme (a cinematografia é de Adam Arkapaw) com uma sensação dinâmica para a beleza e desolação das paisagens rurais montanhosas do noroeste do Pacífico e para a logística momento a momento de como criminosos amadores se movem pelo espaço. O filme é cheio de roubos, emboscadas, tiroteios, interrogatórios e outras características do procedimento policial. É, muitas vezes, de suspense envolvente.

No entanto, nunca é de suspense porque Kurzel está exagerando a ação. “The Order” é rigorosamente detalhado em sua autenticidade. Quando o FBI, levado quase aleatoriamente para este caso (principalmente porque Husk, o primeiro a entrar nele, está se recuperando de um casamento desfeito e foi designado para um escritório de um homem só na cidadezinha de Coeur d’Alene), inicia sua investigação, as táticas do Bureau, a princípio, podem nos parecer um pouco sonolentas ou até mesmo ineptas. Mas isso é apenas porque o filme está se mantendo fiel ao que o FBI é: uma equipe de agentes humanos demais, não super-homens da lei, que nos dias anteriores à alta tecnologia tinham que se mover um passo de cada vez.

Jude Law, abatido e abatido, com um bigode cansado, interpreta Terry como um agente honesto que também é um homem quebrado (com sua esposa e duas filhas afastadas, seu trabalho é tudo o que o mantém unido), e esta pode muito bem ser a performance mais marcante e vivida da carreira de Law. Seu Terry, que se junta a um policial local (Tye Sheridan, parecendo tão limpo quanto um escoteiro), é um bom policial porque ele está cheio de conhecimento amargo e duramente conquistado sobre como os criminosos operam. Ele passou um tempo em Nova York perseguindo mafiosos, e um dos pensamentos que ele compartilha — é parte da percepção do filme — é que há uma continuidade entre os membros da Máfia, a KKK e agora a Ordem. A maneira como ele coloca é: todos eles têm uma causa, mas eles estão realmente atrás de si mesmos.

Vemos isso na performance poderosamente convincente de Nicholas Hoult como Bob Matthews. Hoult se parece com o verdadeiro Matthews, e se o truque em interpretar um homem cheio de ódio racista não é caricaturalmente ele — para nos mostrar a humanidade do mal cotidiano — o ator faz isso de uma forma totalmente desarmante. Ele nos mostra que as crenças de Matthews são totais, que ele está vivendo dentro delas, mas que elas lhe deram um fervor que o torna um líder de bandidos carismático e assustador.

Matthews aparece na congregação para um dos sermões de Butler, e quando ele se levanta para fazer seu próprio apelo sobre o porquê da revolução do poder branco precisar acontecer agora, antes que seja tarde demais, Hoult nos faz ver o quão corretamente ele acredita nisso; ele arrasta a multidão para seu culto à morte de perigo enobrecedor. Matthews é, na verdade, um sujeito um tanto grosseiro. Ele e sua esposa, Debbie (Alison Oliver), adotaram crianças, mas porque ele quer continuar sua linhagem, ele também engravidou sua amante, Zillah (Odessa Young). Ele fez isso com o mesmo direito que, 10 anos depois, marcaria as transgressões de David Koresh. Mas quando Matthews fixa seu olhar em um inimigo, ou em um de seus seguidores que ele acha que pode ser desleal, seus olhos brilham com um fio assassino.

Nos anos 80, Robert Matthews e a Ordem eram grandes notícias (Hollywood, em 1988, até fez um drama desajeitado sobre ele, chamado “Betrayed”, estrelado por Tom Berenger e Debra Winger e dirigido por Costa-Gavras). Mas por mais perturbadoras que fossem as revelações de um movimento clandestino neonazista na época, poucos poderiam ter imaginado que forma a popularização desse movimento tomaria. “The Order”, embora escrupulosamente fiel aos eventos de 1983 e 1984, se apresenta como uma alegoria cautelosa do que está acontecendo hoje: a ascensão entrelaçada do MAGA e do nacionalismo cristão e os apitos de cachorro racistas (e, às vezes, sirenes racistas) da campanha de Donald Trump para dominar a América. O filme entra em detalhes sobre “The Turner Diaries”, o romance de 1978 do neonazista William Luther Pierce que se tornou a bíblia desse movimento — era ao mesmo tempo uma fábula infantil, um manual de terrorismo (com seis estágios de instruções sobre como se revoltar contra o governo dos EUA) e uma peça de mitologia de ódio.

Mas o que “The Order” realiza de mais assombroso e perceptivo é que nos mostra como a supremacia branca na América pode ser duas coisas ao mesmo tempo, dois lados da mesma moeda: o lado legal e “apresentável” e o lado violento subjacente. Você pode ser um racista hardcore sem acreditar que o governo dos EUA é o inimigo. Mas “The Order” demonstra que acreditando o governo dos EUA é o inimigo — o que, eu diria, é a pedra angular do Trumpismo na era pós-6 de janeiro, pós-Stop the Steal — é uma ideia ligada, em seu legado emocional e histórico, à ideologia da supremacia branca. Bob Matthews, como o filme nos mostra em seu clímax, acabou em um inferno literal por suas crenças. Mas isso não significa que suas ideias queimaram.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *