Com uma concorrência cada vez maior entre os grandes players, as varejistas de moda que operam no Brasil vêm passando por momentos turbulentos. A pandemia, a alta taxa de juros e o comprometimento do poder de compra dos consumidores forçaram as empresas a inovarem, e algumas podem estar ficando pelo caminho.
A questão é que analistas seguem cautelosos com o setor, dada a demanda fragilizada, rentabilidade pressionada e altos níveis de alavancagem, enquanto a dinâmica para o quarto trimestre deste ano ainda é incerta.
Ó InvestNotícias analisou 10 companhias do setor por meio de indicadores, como: receita, lucro, Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), preço sobre lucro (P/L), valor de mercado, margem bruta, líquida e operacional, além do retorno das ações nos últimos 12 meses.
Os dados foram fornecidos com exclusividade pela Comdinheiro e podem indicar como anda a saúde financeira de Alpargatas (ALPA4), Lojas Renner (LREN3), C&A (CEAB3), soma (SOMA3), Grupo SBF (SBFG3), Guararapes (GUAR3), Lojas Marisa (AMAR3), Arezzo (ARZZ3), Campo de atletismo (TFCO4) e Você sabe (VSTE3). Veja abaixo em gráficos.
Valor de mercado
Avaliada em R$ 11,9 bilhões, é a Lojas Renner quem tem o maior valor de mercado entre todas as companhias levantadas, segundo a Comdinheiro. A companhia tem mais de 600 lojas em operação, considerando todas as frentes de negócio, como Camicado, Youcom, ASHUA Curve & Plus Size e a própria Renner.
A XP (XPBR31) segue comprada na tese da companhia, uma vez que enxerga a ação como descontada.
Receita Líquida
É também a Renner que apresentou a maior receita líquida quando comparada aos seus pares. A varejista registrou em 12 meses R$ 13,3 bilhões, cifra 55% maior que a apurada pela Guararapes (R$ 8,5 bi), que está na 2ª colocação. Ainda assim, o resultado referente ao 2º trimestre veio abaixo das expectativas dos analistas, segundo a XP, uma vez que teve queda de 3% ano contra ano. O cenário macro e efeitos climáticos desafiadores pesaram na balança.
Na avaliação de Daniela Eiger e Gustavo Senday, analistas da XP, apesar de a entrada da Shein no mercado brasileiro ter deteriorado a dinâmica competitiva, isso deve ser enxergado mais como um desafio do que um “xeque-mate” uma vez que a logística e qualidade dos produtos ainda estão abaixo da Renner.
“Esperamos ver uma melhora nos resultados de curto prazo, especialmente no 4º tri, com um clima mais quente e queda nos preços de algodão como alavancas positivas”, apontam em relatório.
Eu e Campo de atletismo é a companhia que apresenta a menor receita líquida do levantamento (R$ 620 milhões), o que não a “desqualifica”, uma vez que a marca é considerada forte pelo mercado e com um posicionamento premium, ficando assim mais “isenta” da pressão inflacionária sobre seus consumidores.
Lucro líquido
Com maiores receitas, era esperado que o lucro líquido da Renner se sobressaísse. A varejista registrou R$ 1 bilhão no período apurado, o que vai na contramão do registrado pela Lojas Marisa (AMAR3), que vem passando por dificuldades e tentando se desviar de uma recuperação judicial.
A varejista teve um lucro liquido negativo em R$ 626 milhões, no 2º trimestre, o que afeta, consequentemente, o Ebitda da companhia (a ser conferido no próximo gráfico).
Recentemente, a empresa anunciou não estar medindo esforços para acelerar a oferta de produtos e serviços de terceiros por meio de seus canais de vendas. Além de roupas, a empresa passou a oferecer consórcio e seguro de carro para clientes.
Último fato relevante divulgado pela companhia aponta que a empresa levantou capital por meio de empréstimo com o BTG Pactual no montante de R$ 65 milhões, além de poder contar com direitos creditórios referentes a processo judicial referente à incidência de ICMS na base de cálculo de PIS e COFINS. A empresa também diz ter concluído negociações com seus fornecedores e proprietários de imóveis.
EBITDA
Depois da Renner, é a C&A quem registra o 2º maior Ebitda entre os pares. Com R$ 1,06 bilhão registrados em 12 meses encerrados no 2º trimestre, a companhia é vista ainda com cautela dado o curto prazo ser desafiador, na avaliação da XP. A dobradinha demanda fragilizada e rentabilidade pressionada indicam cautela, na visão dos analistas, que também apontam que a companhia possui alta alavancagem.
“Como a C&A atende primordialmente classes de renda mais baixa, ela está mais exposta à deterioração macro devido ao impacto em confiança do consumidor e, consequentemente, na sua demanda e rentabilidade. Como resultado, a companhia tende a apresentar um desempenho inferior em tempos difíceis vs. outros nomes em nossa cobertura”, aponta trecho do relatório.
Margem bruta
É a Vest S.A Estilo (VSTE3) quem tem a maior margem bruta do levantamento, o que indica a maior porcentagem de cada R$ 1 de venda que restou após o pagamento do custo das mercadorias. Esse indicador pode ser calculado como sendo o quociente entre o resultado bruto e a receita líquida de vendas da empresa.
A Vest tem sob tutela marcas de luxo, como, Le Lis Blanc, Dudalina, Bo.Bô, Rosa Chá, John John, entre outras. No resultado do 2º tri deste ano, a varejista de moda saiu de um prejuízo ao registrar lucro de R$ 6,5 milhões. Em 12 meses encerrados neste período, a companhia apresentava lucro líquido de R$ 169 milhões, segundo a Comdinheiro.
Margem líquida
Já a maior porcentagem de lucro líquido obtido pela empresa em relação à receita total, também chamada de margem líquida, foi dominada pela Track&Field, segundo o estudo.
Margem operacional
A companhia também lidera em margem operacional, o que aponta que a empresa vem sendo eficiente em suas operações. Na prática, o lucro da operação da Track&Field está em mais de 22% das suas receitas líquidas, o que é acima dos pares.
Preço sobre lucro (P/L)
Até por isso, a companhia se apresenta como sendo “cara” ou negociada a um preço justo, o que não abre brechas para maiores ganhos no curto prazo. O preço sobre lucro (PL) da Track&Field estava em 112 em outubro, o que aponta que ela está sendo negociada em bolsa acima dos pares. Uma pontuação menor que 100 significa que o valor cobrado por ação está descontado, e maior do que isso, caro.
Esse indicador é formado pela relação entre o preço atual de uma ação dividida pelo lucro por ação desse ativo.
“Apesar de gostarmos do posicionamento de marca forte e premium da companhia, especialmente dentro do atual cenário macro, nós acreditamos que a empresa está precificada de forma justa. Preferimos exposição a outras varejistas de alta-renda com perspectivas de crescimento e valuation mais assimétrico”, avalia a XP.
Já a Guararapes é quem está mais descontada em bolsa avaliando os pares.
Desempenho das ações
Neste quebrar de ovos, é a C&A quem está levando a melhor – pelo menos quanto a valorização das ações – nos últimos 12 meses encerrados em outubro. O retorno no período é de 71,9%.
A expressiva valorização da C&A vem na esteira dos resultados acima das estimativas no 2º trimestre, tanto no Ebitda, quanto na margem bruta em vestuário, segundo a XP. Somado a isso, foi citado que menores despesas com vendas (principalmente de marketing), menor nível de investimentos, geração de caixa positiva (R$ 205 milhões), níveis de estoques adequados e coleção outono/inverno bem recebida foram impulsionadores.
Porém, a empresa destoa do retorno médio do segmento, uma vez que (com excessão da Track&Field), todas as demais varejistas listadas seguem no campo negativo. A Alpargatas (ALPA3) recua 61,3% em 12 meses, e segundo a XP, a tacada na expansão internacional passa por dificuldades, o que tem impactado na entrega de resultados consistentes.
Relatório do City aponta que a dona da Havaianas deve reportar um 3º trimestre ainda difícil, com queda considerável em seu volume de vendas no Brasil e no exterior, embora com alguma recuperação na margem. Também é esperado que a Alpargatas reporte prejuízo de R$ 34 milhões, o que ainda assim é um resultado melhor do que o 2º trimestre, quando a empresa registrou prejuízo de R$ 199,6 milhões. Por isso que as ações ALPA3 seguem tão penalizadas.
De olho no varejo de moda de forma geral, nem toda notícia é negativa. Para o 4º trimestre são esperados ventos positivos que podem ajudar nos resultados das varejistas, desde o clima mais quente, ter mais dias úteis, alívio de custos, implementação da terceira fase do programa do governo “Desenrola”, além de queda da inflação e da taxa de juros. Agora é “esperar” buscando assimetrias nos valuations.
Veja também