Fumar maconha e repreender padres católicos são apenas duas das maneiras pelas quais Malu Rocha (Yara de Novaes) afirma seu espírito rebelde. A atriz excêntrica, indomável e idiossincrática que está no centro do filme de estreia de Pedro Freire, “Malu”, é a personificação de uma substância altamente inflamável. Sua personalidade volátil, capaz de consumir tudo em seu caminho, dá início a um drama intergeracional ambientado no Rio de Janeiro, inspirado na história de vida da mãe do diretor.
Malu não vive no presente. Na maioria das vezes, ela reconta histórias de sua juventude sobre problemas com a lei durante os anos da ditadura, ou então divaga sobre um futuro hipotético. Malu sonha em transformar sua casa em um centro cultural onde as crianças da favela próxima possam vir para atividades recreativas e produções teatrais. Mas a propriedade precisa de tantos reparos quanto seu relacionamento com a mãe idosa Lili (Juliana Carneiro da Cunha) e com a filha Joana (Carol Duarte), que acabou de voltar da França para o Brasil e também está buscando atuação.
Os altos são luminosamente altos e os baixos são terrivelmente baixos entre este trio de mulheres. Cada uma tem suas próprias feridas – uma da outra, dos homens em suas vidas – manifestadas em gritos carregados de ressentimentos profundamente enraizados. Às vezes, eles literalmente arranham o rosto um do outro com virulência animalesca. Dentro da proporção quadrada comandada pelo diretor de fotografia Mauro Pinheiro Jr., há cenas de Malu, Joana e Lili posicionadas em segundo plano, fundo e primeiro plano respectivamente — uma representação visual dessa linhagem ígnea.
Com base na rapidez com que ela passa de amorosa a rancorosa, seria fácil determinar que Malu é o único catalisador do caos nesta família. E, no entanto, Freire garante que podemos perceber que algumas destas falhas não foram apenas produto do crescimento com Lili, mas também estão presentes em Joana, embora em menor grau. O cineasta constrói os personagens como espelhos parciais um do outro, capazes de infligir danos emocionais com suas palavras duras e de mostrar demonstrações de afeto físico extremamente sinceras.
Lili culpa o hábito de maconha de Malu por seu comportamento errático – seu bode expiatório por negar que suas ações como mãe tiveram um papel na transformação de sua filha em quem ela é. Da mesma forma, Malu foge furiosamente das acusações de negligência de Joana. Apesar de todas as terríveis semelhanças que compartilham nos estilos parentais, a diferença entre Malu e Lili é a maneira como esta última mantém opiniões racistas e conservadoras contra o amigo próximo e “inquilino” de Malu, Tibira (Átila Bee), um homem negro gay. Apesar de sua personalidade pudica, Lili não tem escrúpulos em urinar no meio da rua, para grande constrangimento da neta. Estas façanhas especificamente ultrajantes elucidam mais sobre quem eles são do que qualquer linha expositiva jamais poderia.
Vivendo a tal ponto que se torna difícil percebê-lo como uma representação calculada e não como uma verdade crua, o que o soberbo De Novaes faz com esse feito de atuação é ao mesmo tempo elétrico e monstruoso. Sua Malu é uma mulher cujo espírito inquieto contém partes iguais de desejo pela vida e violência iminente. Capaz de uma ternura enjoativa e de um vitríolo de cortar o coração, é o tipo de personagem que gera uma forte resposta ambivalente – oscilando entre o desanimador e o magnético – graças à disposição de De Novaes de se deixar dominar totalmente pelo papel. As outras duas atrizes, Duarte em particular, mantêm o seu terreno dramático, entendendo que o seu papel é permanecer na periferia da atração gravitacional de De Novaes.
As brigas vêm e vão com a mesma frequência que os atos de gentileza no dilapidado e pretenso espaço artístico de Malu. Nenhuma emoção dura o suficiente para sequer insinuar uma aparência de estabilidade, reflexo da saúde mental de Malu para a qual, sem sucesso, Joana quer obter ajuda. Para o espectador, isso cria um interessante estado de ansiedade, já que não podemos prever como será sua próxima explosão.
Embora ela possa embelezar o seu passado radical com exagero, há alguma validade na reclamação de Malu de que a geração de Joana se tornou complacente e demasiado segura para o seu próprio bem. Há um poder libertador, que traz consequências, em ser tão relutante em manter os pés no chão. Malu não está em dívida com nada, nem com o sistema, nem com suas aspirações fúteis, nem mesmo com seus entes queridos. E é porque ela passa a vida tão livremente que quando o ceifador bate à sua porta, ela o deixa com um sorriso insolente.
Nada de extraordinário acontece em “Malu”, a não ser a exploração de como as pessoas, ao longo do tempo – e das cicatrizes – se recuperam por meio do perdão, enquanto aprendem a amar umas às outras em seus próprios termos imperfeitos. Isso é mais que suficiente. Com um local chave e um punhado de atores, Freire produziu um quadro que apresenta as mesmas peças de outros retratos familiares, mas que se move com uma força singular.